debruçada sobre o mar

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domingo, 17 de maio de 2009

Coisinhas, Umas simples biquatas

Chegou-me por mão amiga este artigo que transcrevo na íntegra como o devido respeito e devida homenagem agradecida.

São pequenas coisa, pequenos pertences, umas biquatas das classe governativa:

Cavaquisses, Sócratisses e Samoradas


Portugal precisa de jactos executivos para transporte de governantes???

Pronto! Finalmente descobrimos aquilo de que Portugal realmente
precisa: uma nova frota de jactos executivos para transporte de
governantes. Afinal, o que é preciso não são os 150 mil empregos que
José Sócrates anda a tentar esgravatar nos desertos em que Portugal se
vai transformando. Tão-pouco precisamos de leis claras que impeçam que
propriedade pública transite directamente para o sector privado sem
passar pela Partida no soturno jogo do Monopólio de pedintes e
espoliadores em que Portugal se tornou. Não precisamos de nada disso.
Precisamos, diz-nos o Presidente da República, de trocar de jactos
porque aviões executivos "assim" como aqueles que temos já não há "nem
na Europa nem em África". Cavaco Silva percebe, e obviamente gosta, de
aviões executivos. Foi ele, quando chefiava o seu segundo governo,
quem comprou com fundos comunitários a actual frota de Falcon em que
os nossos governantes se deslocam.
Voei uma vez num jacto executivo. Em 1984 andei num avião presidencial
em Moçambique. Samora Machel, em cuja capital se morria à fome, tinha,
também, uma paixão por jactos privados que acabaria por lhe ser fatal.
Quando morreu a bordo de um deles tinha três na sua frota. Um
quadrimotor Ilyushin 62 de longo curso, versão presidencial, o
malogrado Antonov-6, e um lindíssimo bimotor a jacto British Aerospace
800B, novinho em folha. Tive a sorte de ter sido nesse que voei com o
então Ministro dos Estrangeiros Jaime Gama numa viagem entre Maputo e
Cabora Bassa. Era uma aeronave fantástica. Um terço da cabina era uma
magnífica casa de banho. O resto era de um requinte de decoração
notável. Por exemplo, havia um pequeno armário onde se metia um
assistente de bordo magro, muito esguio que, num prodígio de
contorcionismo, fez surgir durante o voo minúsculos banquetes de tapas
variadíssimas, com sandes de beluga e rolinhos de salmão fumado que
deglutimos entre golinhos de Clicquot Ponsardin. Depois de nos mimar,
como por magia, desaparecia no seu armário. Na altura fiz uma
reportagem em que descrevi aquele luxo como "obsceno". Fiz nesse
trabalho a comparação com Portugal, que estava numa craveira de
desenvolvimento totalmente diferente da de Moçambique, e não tinha
jactos executivos do Estado para servir governantes.


Nesta fase metade dos rendimentos dos portugueses está a ser retida
por impostos. Encerram-se maternidades, escolas e serviços de
urgência. O Presidente da República inaugura unidades de saúde
privadas de luxo e aproveita para reiterar um insuspeitado direito de
todos os portugueses a um sistema público de saúde. Numa altura
destas, comprar jactos executivos é tão obsceno como o foi nos dias de
Samora Machel. Este irrealismo brutalizado com que os nossos
governantes eleitos afrontam a carência em que vivemos ultraja quem no
seu quotidiano comuta num transporte público apinhado, pela Segunda
Circular ou Camarate, para lhe ver passar por cima um jacto executivo
com governantes cujo dia a dia decorre a quilómetros das suas
dificuldades, entre tapas de caviar e rolinhos de salmão. Claro que há
alternativas que vão desde fretar aviões das companhias nacionais até,
pura e simplesmente, cingirem-se aos voos regulares.



Há governantes de países em muito melhores condições que o fazem por
uma questão de pudor que a classe que dirige Portugal parece não ter.
Vi o majestático François Miterrand ir sempre a Washington na Air
France. Não é uma questão de soberania ter o melhor jacto executivo do
Mundo. É só falta de bom senso. E não venham com a história que é
mesquinhez falar disto. É de um pato-bravismo intolerável exigir ao
país mais sacrifícios para que os nossos governantes andem de jacto
executivo. Nós granjearíamos muito mais respeito internacional
chegando a cimeiras em voos de carreira do que a bordo de um qualquer
prodígio tecnológico caríssimo para o qual todo o Mundo sabe que não
temos dinheiro.

JN - Mário Crespo. Jornalista